O povo que está em Israel é o verdadeiro povo Judeu descendente de Abraão, Isaque e Jacó?
Introdução:
Ao longo da história, surgiram narrativas que buscam deslegitimar a identidade do povo judeu, especialmente no contexto do Estado moderno de Israel. Uma dessas afirmações sustenta que os habitantes judeus de Israel não seriam descendentes legítimos de Israel ou Judá, mas fruto de migrações e conversões posteriores, sem vínculo com o antigo povo bíblico da descendência de Abraão, Isaque e Jacó. Essa perspectiva encontra eco em teorias conspiratórias, como o mito do “khazarismo”, e em versões da teologia da substituição.
Este artigo defende e prova que o povo judeu moderno é a continuidade histórica, cultural, genética e religiosa do Israel bíblico, e que a presença e o retorno desse povo à terra de Israel estão amplamente fundamentados em documentos antigos, descobertas arqueológicas, pesquisas acadêmicas e nas próprias Escrituras Sagradas como documento mais antigo disponível até o presente.
1. A continuidade histórica de Israel
A afirmação de que o povo judeu teria sido “perdido” após a diáspora ignora as amplas evidências de uma presença contínua e documentada de comunidades judaicas na Terra de Israel ao longo de três milênios. Essa continuidade não foi linear ou majoritária em todos os períodos, mas ininterrupta, mesmo em meio a exílios, perseguições e dispersões.
1.1. O retorno do Exílio Babilônico
Após a destruição de Jerusalém em 586 a.C. pelos babilônios, grande parte da elite judaica foi deportada. Contudo, nem todos foram levados, e uma população significativa permaneceu na terra (2Rs 25:12). A libertação decretada por Ciro, o Grande, em 539 a.C., é confirmada tanto pela Bíblia (Ed 1:1-4) quanto pelo Cilindro de Ciro, um documento persa reconhecido pela UNESCO como um dos primeiros registros de direitos humanos1. Esse retorno inaugurou o chamado Período do Segundo Templo, quando a identidade judaica foi reafirmada em Jerusalém, sob liderança de Esdras e Neemias.
1.2. O período helenístico e romano
Durante os séculos IV a.C. a I d.C., a Judeia foi dominada por potências como os selêucidas e depois pelos romanos. Apesar da helenização cultural, os judeus preservaram sua identidade nacional e religiosa, como testemunham os Livros dos Macabeus e os registros de Flávio Josefo2.
Mesmo após a destruição do Templo em 70 d.C. por Tito, Josefo relata que comunidades judaicas continuaram vivendo na região, especialmente na Galileia e em pequenas vilas próximas a Jerusalém. A revolta de Bar Kokhba (132–135 d.C.) resultou em nova devastação, mas não significou o fim da presença judaica na Palestina.
1.3. Testemunhos da Antiguidade Tardia
Fontes bizantinas e patrísticas demonstram que judeus continuaram habitando a Terra Santa:
- Eusébio de Cesareia (séc. IV) menciona comunidades judaicas ativas na sua História Eclesiástica.
- O peregrino cristão Arculfo (séc. VII) descreve a presença de judeus em Jerusalém.
- O Talmude de Jerusalém (séc. IV–V) foi compilado na Galileia, prova inequívoca de centros de estudo judaicos em solo israelense3.
1.4. A era islâmica e medieval
Com a conquista islâmica (séc. VII), judeus receberam o status de dhimmi e puderam residir em cidades importantes. Fontes árabes, como o geógrafo al-Muqaddasi (séc. X), relatam a presença judaica em Jerusalém e Tiberíades4.
Durante as Cruzadas, as comunidades judaicas sofreram massacres (notadamente em 1099), mas rapidamente se reorganizaram sob domínio muçulmano posterior. No período otomano (1517–1917), centros judaicos floresceram em Safed (especialmente com os cabalistas como Isaac Luria), em Hebron, além de comunidades em Jerusalém.
1.5. O início do movimento sionista
A partir do século XIX, o nacionalismo judaico encontrou expressão no sionismo, mas esse retorno não se deu a partir do “nada”. Quando judeus da diáspora começaram a fazer aliyah (subida à Terra de Israel), encontraram comunidades judaicas já estabelecidas. Por exemplo:
- Em 1800, Jerusalém já possuía um bairro judaico ativo dentro das muralhas.
- Viagens de missionários e diplomatas europeus, como Mark Twain em Innocents Abroad (1869), relatam a presença de judeus na Palestina otomana.
Assim, o movimento sionista reforçou uma presença que nunca havia sido extinta.
1.6. Síntese
Do exílio babilônico até o Estado moderno de Israel, há uma linha contínua e documentada de presença judaica na Terra. Embora em diferentes intensidades, em nenhum momento da história a identidade judaica ou sua ligação com a Terra foi perdida.
Essa realidade desmente a afirmação de que os judeus atuais em Israel seriam uma “nação nova” sem vínculos com o Israel antigo. A continuidade histórica é sólida, respaldada por fontes bíblicas, documentos extrabíblicos, arqueologia e testemunhos literários.
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- Kuhrt, Amélie. The Persian Empire: A Corpus of Sources from the Achaemenid Period. Routledge, 2007.
- Josefo, Flávio. A Guerra dos Judeus; Antiguidades Judaicas. Tradução de William Whiston. Hendrickson, 1987.
- Neusner, Jacob. The Talmud of the Land of Israel: A Preliminary Translation and Explanation. University of Chicago Press, 1982.
- Al-Muqaddasi. The Best Divisions for Knowledge of the Regions. Tradução de Basil Collins. Garnet Publishing, 1994.
2. Evidências arqueológicas
A arqueologia fornece testemunhos concretos e verificáveis da presença contínua do povo judeu em sua terra ao longo dos séculos. Inscrições, moedas, sinagogas, banhos rituais (mikvaot), ossuários e manuscritos confirmam que a cultura material judaica floresceu desde o período do Primeiro Templo até a Antiguidade Tardia.
2.1. Idade do Ferro II e o Reino de Judá
A Inscrição de Siloé, encontrada no túnel de Ezequias em Jerusalém (séc. VIII a.C.), é um dos mais antigos textos em hebraico, relatando a conclusão da escavação para o abastecimento de água da cidade. Esse artefato não apenas comprova a prática do hebraico escrito, mas também a centralidade da administração judaíta em Jerusalém.
Outro testemunho são os selos LMLK (“pertencente ao rei”), estampados em jarros de armazenamento do reinado de Ezequias. Esses selos, encontrados em Jerusalém e Laquis, indicam uma rede administrativa centralizada. Já as Cartas de Laquis (ostraca de cerâmica, c. 590 a.C.), descobertas nas escavações de Laquis, documentam a iminência da invasão babilônica e demonstram o uso cotidiano do hebraico, confirmando a vitalidade cultural do Reino de Judá.
2.2. Período Persa e Helênico
Após o retorno do exílio, o território passou a ser conhecido como a província de Yehud. As moedas de Yehud, cunhadas entre os séculos IV e III a.C., trazem inscrições aramaicas/hebraicas (YHD) e ícones religiosos judaicos. Essas moedas atestam uma continuidade administrativa e étnico-religiosa judaica sob domínio persa e helenístico, mantendo a identidade cultural mesmo sem independência política.
2.3. Período do Segundo Templo
O período herodiano (século I a.C. – I d.C.) produziu uma vasta quantidade de achados.
- O Monte do Templo, com suas pedras herodianas ainda visíveis na atual Muralha Ocidental, testemunha a monumentalidade do culto judaico.
- As inscrições de advertência em grego encontradas no recinto do Templo delimitavam os espaços sagrados, confirmando o rigor da Lei judaica em relação à santidade do Templo.
- Centenas de mikvaot (banhos rituais) escavados em Jerusalém e arredores mostram a prática disseminada da pureza ritual entre a população.
- Os ossuários com nomes hebraicos e aramaicos revelam a prática funerária da re-inumação, típica do judaísmo do período.
A vida sinagogal também está amplamente documentada: a inscrição de Teódoto, em Jerusalém, menciona a construção de uma sinagoga para leitura da Lei e hospitalidade; a sinagoga de Gamla (Golã) e as de Magdala (Galileia) confirmam que os judeus mantinham locais de ensino e oração espalhados pela terra. A Pedra de Magdala, com relevos ligados ao Templo, mostra como Jerusalém era referência mesmo nas sinagogas regionais.
Além disso, os Manuscritos do Mar Morto (Qumran, sécs. III a.C. – I d.C.) constituem a maior biblioteca judaica antiga descoberta, preservando textos bíblicos e sectários em hebraico e aramaico, atestando a vitalidade textual e religiosa judaica na própria terra.
2.4. Numismática e documentação das revoltas judaicas
As moedas da Grande Revolta (66–73 d.C.) trazem inscrições como “Ano Dois da Liberdade de Israel” e imagens ligadas ao Templo. Da mesma forma, as moedas da Revolta de Bar Kokhba (132–135 d.C.) exibem inscrições em hebraico como “Pela Liberdade de Jerusalém”. Esses artefatos confirmam que os judeus continuaram reivindicando sua terra e identidade até o século II d.C.
Complementando esse testemunho, as Cartas de Bar Kokhba, encontradas em cavernas no deserto da Judeia, registram ordens administrativas e observância de festividades judaicas, como a Festa dos Tabernáculos (Sucot). Esses documentos demonstram que a vida judaica organizada persistiu em solo israelita mesmo em meio à repressão romana.
2.5. Antiguidade Tardia e período bizantino
Mesmo após a destruição de Jerusalém e a fundação da colônia romana de Aelia Capitolina, comunidades judaicas continuaram ativas na Galileia e em outras regiões. Sinagogas como as de Bet Alfa (séc. VI) e Hammat Tiberias (sécs. III–IV) apresentam mosaicos com símbolos judaicos como a menorá, o shofar e o lulav, acompanhados de inscrições em hebraico e grego. Esses achados confirmam que, ainda sob domínio bizantino, havia comunidades judaicas vibrantes em Israel.
2.6. Síntese
A cultura material judaica, atestada pela arqueologia, forma uma linha contínua de evidências desde o Reino de Judá até a Antiguidade Tardia. Inscrições em hebraico, moedas, práticas de pureza, sinagogas, manuscritos e mosaicos confirmam a presença e identidade judaica na terra. Esses testemunhos arqueológicos são convergentes e independentes, constituindo uma prova sólida contra a alegação de que os judeus modernos não possuem vínculos históricos com Israel.
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- Mazar, Amihai. Archaeology of the Land of the Bible, 10,000–586 B.C.E. Yale University Press, 1990.
- Stern, Ephraim. Archaeology of the Land of the Bible, Volume II: The Assyrian, Babylonian, and Persian Periods (732–332). Yale, 2001.
- Levine, Lee I. The Ancient Synagogue: The First Thousand Years. Yale University Press, 2005.
- Rahmani, Levi Y. A Catalogue of Jewish Ossuaries in the Collections of the State of Israel. Israel Antiquities Authority, 1994.
- Vermes, Geza. The Complete Dead Sea Scrolls in English. Penguin, 2011.
- Eshel, Hanan; Cotton, Hannah M. The Bar Kokhba Revolt: Archaeology, Documents, Coins, and Inscriptions. Israel Exploration Society, 2002.
- Fine, Steven. Art and Judaism in the Greco-Roman World: Toward a New Jewish Archaeology. Cambridge University Press, 2005.
3. Documentos e testemunhos históricos
A identidade judaica, sua continuidade e sua ligação com a terra de Israel não são confirmadas apenas pela arqueologia, mas também por um vasto conjunto de documentos literários, históricos e religiosos. Esses testemunhos atravessam diferentes tradições — judaica, cristã e islâmica — e formam um mosaico de evidências escritas que demonstram que o povo judeu nunca perdeu sua identidade nem seu vínculo com a terra.
3.1. Fontes Judaicas: Mishná, Talmude e Midrash
Após a destruição do Templo em 70 d.C., os sábios judeus preservaram e organizaram a tradição oral em escritos rabínicos.
- A Mishná (compilada c. 200 d.C.) registra normas legais e religiosas que refletem práticas judaicas na terra de Israel durante o período romano. Suas referências à agricultura, pureza ritual e festividades apontam para uma comunidade que continuava vivendo em território judaico.
- O Talmude de Jerusalém (c. 400 d.C.), compilado na Galileia, é um testemunho direto da vida judaica na região após a devastação romana. Trata de debates haláchicos (legais) e descreve comunidades judaicas em cidades como Tiberíades, Séforis e Cesareia.
- O Midrash Rabá, compilado entre os séculos V e VII, também revela uma memória contínua de Israel e de sua relação com a terra prometida.
Esses textos rabínicos são fundamentais porque foram escritos em Israel, por judeus que viviam ali, preservando a continuidade cultural e religiosa.
3.2. Fontes Cristãs Primitivas
Os primeiros escritores cristãos também confirmam a presença judaica e sua ligação com a terra:
- Justino Mártir (séc. II), em seu Diálogo com Trifão, descreve um debate com um judeu que vive em Éfeso, mas cuja identidade e argumentos estão profundamente enraizados na tradição de Israel.
- Orígenes (séc. III), que viveu em Cesareia, reconhece a existência de comunidades judaicas na Palestina.
- Eusébio de Cesareia (séc. IV), em sua História Eclesiástica, relata a continuidade da presença judaica e menciona a dispersão após a revolta de Bar Kokhba, sem negar que muitos permaneceram na região.
Mesmo quando críticos em relação aos judeus, os autores cristãos antigos reconheciam sua existência e persistência como povo.
3.3. Fontes Greco-Romanas
Historiadores romanos e gregos também testemunham a identidade judaica:
- Tácito, em suas Histórias (Livro V, 70 d.C.), descreve os judeus como um povo distinto, com costumes próprios e uma história profundamente ligada à Judeia.
- Dio Cássio (séc. III) detalha a revolta de Bar Kokhba e a repressão romana, mas confirma que os rebeldes eram judeus lutando por sua terra e identidade.
Essas fontes externas provam que, aos olhos do mundo antigo, o povo judeu era percebido como uma comunidade única e vinculada à Palestina.
3.4. Fontes Islâmicas Medievais
Durante o período islâmico, vários geógrafos e cronistas muçulmanos documentaram a presença judaica em Israel:
- Al-Muqaddasi (séc. X), em sua obra Ahsan al-Taqasim fi Ma’rifat al-Aqalim, descreve a população de Jerusalém e menciona os judeus entre seus habitantes.
- Benjamin de Tudela (séc. XII), judeu viajante da Espanha, registrou em seu itinerário as comunidades judaicas que encontrou em Jerusalém, Ramla, Ascalão, Tiberíades e outras cidades.
Esses relatos confirmam que os judeus nunca deixaram de habitar a terra, mesmo em contextos de dominação estrangeira.
3.5. Síntese
O conjunto de fontes rabínicas, cristãs, greco-romanas e islâmicas mostra uma presença contínua do povo judeu em Israel e a preservação de sua identidade mesmo na diáspora. Esses documentos literários complementam os achados arqueológicos e confirmam que o vínculo entre Israel e sua terra é histórico, ininterrupto e reconhecido por diferentes culturas e épocas.
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- Neusner, Jacob. The Mishnah: A New Translation. Yale University Press, 1988.
- Neusner, Jacob. The Talmud of the Land of Israel: A Preliminary Translation and Explanation. University of Chicago Press, 1982.
- Midrash Rabbah. Tradução de H. Freedman & Maurice Simon. Soncino Press, 1983.
- Justino Mártir. Dialogue with Trypho. Trad. Thomas B. Falls. Christian Heritage, 2003.
- Eusébio de Cesareia. História Eclesiástica. Trad. Paul L. Maier. Kregel, 1999.
- Orígenes. Contra Celsum. Cambridge University Press, 1980.
- Tácito. Histories. Trad. Clifford H. Moore. Harvard University Press, 1937.
- Dio Cássio. Roman History. Trad. Earnest Cary. Harvard University Press, 1925.
- Al-Muqaddasi. The Best Divisions for Knowledge of the Regions. Trad. Basil Collins. Garnet Publishing, 1994.
- Benjamin of Tudela. The Itinerary of Benjamin of Tudela. Trad. Marcus Nathan Adler. Oxford University Press, 1907.
4. As teorias conspiratórias e sua fragilidade
A alegação de que “os judeus modernos em Israel não seriam israelitas” costuma apoiar-se em duas frentes frágeis: (a) teorias histórico-ideológicas (especialmente o chamado “mito khazar”) e (b) leituras enviesadas de dados científicos. Quando confrontadas com historiografia séria e genética populacional moderna, essas teses colapsam.
4.1. O “mito khazar”: escopo real, distorções e consenso historiográfico
A hipótese popularizada por Arthur Koestler (1976) sugeriu que a maioria dos judeus asquenazitas descenderia massivamente dos khazares, um povo túrquico do Cáucaso que teria se convertido ao judaísmo no séc. VIII. O problema não é admitir episódios de conversão (que existiram ao longo da história judaica), mas atribuir a eles um protagonismo demográfico inexistente. A historiografia especializada descreve a conversão khazar como limitada, politicamente condicionada e demograficamente insuficiente para explicar a formação dos judeus asquenazitas medievais. Estudos de referência (Golden; Brook; Stampfer) demonstram que, embora elites e contingentes circunscritos possam ter abraçado o judaísmo, não há evidência de um fluxo maciço capaz de redefinir a composição étnica judaica na Europa oriental. Em outras palavras: o elemento khazar pode ter sido marginal; a continuidade estrutural dos judeus como população de origem levantina manteve-se.
4.2. O que dizem os dados genéticos (Y-DNA, mtDNA e genoma-amplo)
A genética populacional tem produzido, desde os anos 1990, um quadro consistente: as principais diásporas judaicas (asquenazita, sefardita, mizrahi) se agrupam geneticamente entre si e apresentam afinidade robusta com populações do Levante (levantinas não-judaicas), distinta de perfis caucasianos túrquicos.
- (a) Linhagens paternas (Y-cromossomo): Trabalhos clássicos (Skorecki; Hammer; Nebel) mostraram que grande parte dos judeus compartilha haplogrupos J e E — frequentes no Crescente Fértil/Levante — e que coortes específicas (como linhagens sacerdotais, p. ex. o chamado Cohen Modal Haplotype) exibem continuidade patrilinear compatível com uma origem do Oriente Médio. Esses resultados foram replicados e refinados, afastando a hipótese de um aporte dominante caucasiano.
- (b) Linhagens maternas (mtDNA): Estudos de mtDNA indicam contribuições europeias em parte das linhagens asquenazitas (processo de assimilação local feminina na Europa medieval), mas isso não nega a ancestralidade levantina do grupo como um todo; ao contrário, os dados mostram uma base do Oriente Médio com admixturas regionais — padrão comum a populações diaspóricas antigas.
- (c) Genoma-amplo (autossômico): Análises genome-wide (Behar 2010; Atzmon 2010; Carmi 2014) revelam que as populações judaicas formam um cluster coeso com pico de proximidade ao Levante e gradientes de mistura com vizinhos históricos (Sul da Europa, Norte da África, Oriente Médio). Esse perfil é incompatível com uma origem primária no Cáucaso túrquico e coerente com uma população levantina antiga que, ao longo dos séculos, recebeu aportes locais menores.
Conclusão genética: a melhor explicação dos dados é a de uma continuidade levantina dos judeus, não uma “substituição khazar”. Estudos que alegam o contrário baseiam-se em modelagens discutíveis, escolhas de populações-proxy inadequadas ou interpretações que não resistem a testes comparativos ampliados.
4.3. Outras narrativas ideológicas: substituição teológica e racialismos modernos
Além do “mito khazar”, algumas teses de substituição teológica (segundo as quais a Igreja teria “tomado” o lugar de Israel) e discursos racialistas dos sécs. XIX–XX foram instrumentalizados para desvincular os judeus modernos do Israel bíblico. Contudo, do ponto de vista histórico, documental e arqueológico (pontos 1–3), e agora também genético, a identidade judaica revela-se coerente, contínua e verificável. A crítica teológica pode discutir cumprimento de promessas, mas não pode reescrever a história populacional.
4.4. Fecho do argumento (ponto 4)
O acúmulo de evidências independentes — historiografia séria sobre os Khazares, genética patrilinear e matrilinear, e análises genômicas — converge para um veredito único: as teorias conspiratórias falham. Os judeus modernos não são uma “nação desconectada” do Israel antigo; são, antes, a continuação histórica de uma população levantina que se dispersou, preservou sua identidade e, em diferentes épocas, retornou e permaneceu ligada à sua terra.
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- Golden, Peter B. An Introduction to the History of the Turkic Peoples. Wiesbaden: Otto Harrassowitz, 1992.
- Golden, Peter B.; Ben-Shammai, Haggai; Róna-Tas, András (eds.). The World of the Khazars: New Perspectives. Leiden: Brill, 2007.
- Brook, Kevin Alan. The Jews of Khazaria. 3rd ed. Lanham: Rowman & Littlefield, 2018.
- Stampfer, Shaul. “Did the Khazars Convert to Judaism?” Jewish Social Studies 19, no. 3 (2013): 1–72.
- Skorecki, Karl et al. “Y chromosomes of Jewish priests.” Nature 385 (1997): 32.
- Hammer, Michael F. et al. “Jewish and Middle Eastern non-Jewish populations share a common pool of Y-chromosome biallelic haplotypes.” PNAS 97, no. 12 (2000): 6769–6774.
- Nebel, Almut et al. “The Y chromosome pool of Jews as part of the genetic landscape of the Middle East.” AJHG 69, no. 5 (2001): 1095–1112.
- Behar, Doron M. et al. “The Genome-Wide Structure of the Jewish People.” Nature 466 (2010): 238–242.
- Atzmon, Gil et al. “Abraham’s Children in the Genome Era: Major Jewish Diaspora Populations Comprise Distinct Genetic Clusters with Shared Middle Eastern Ancestry.” AJHG 86, no. 6 (2010): 850–859.
- Costa, Marta D. et al. “A Substantial Prehistoric European Ancestry Among Ashkenazi Maternal Lineages.” AJHG 92, no. 3 (2013): 363–370.
- Carmi, Shai et al. “Sequencing an Ashkenazi reference panel supports population-wide disease mapping.” Nature Communications 5 (2014): 4835.
- (Para críticas metodológicas a versões “khazaristas”, ver debates em periódicos de genética populacional pós-2012; a tendência majoritária confirma afinidade levantina e cluster judaico coeso.)
- Koestler, Arthur. The Thirteenth Tribe. London: Random House, 1976. (proponente popular da hipótese khazar; não representa o consenso acadêmico).
5. A perspectiva bíblica e teológica
A identidade do povo de Israel não se apoia apenas em evidências históricas e arqueológicas, mas sobretudo na revelação bíblica, que o define como povo da aliança, objeto da fidelidade de Deus e protagonista da história da redenção. A teologia bíblica e sistemática converge para o reconhecimento de que o povo judeu não foi substituído ou apagado, mas permanece dentro do plano soberano de Deus.
5.1. Promessas de preservação e restauração no Antigo Testamento
Diversas passagens proféticas destacam a permanência e restauração de Israel mesmo após o exílio:
- Jeremias 31:35–37: Deus compara a permanência de Israel à estabilidade cósmica, afirmando que só deixaria de existir como nação se o sol, a lua e as estrelas cessassem de cumprir seus ciclos.
- Ezequiel 36–37: a metáfora dos ossos secos simboliza a revitalização do povo, tanto espiritual quanto nacional. A promessa é clara: Deus reuniria Israel de entre as nações e o restauraria em sua terra.
- Amós 9:14–15: “Plantá-los-ei na sua terra, e nunca mais serão arrancados dela” — promessa explícita de retorno e permanência definitiva.
Esses textos não podem ser lidos apenas em chave alegórica; sua literalidade aponta para a preservação de Israel como povo histórico, mesmo em meio à diáspora.
5.2. A perspectiva do Novo Testamento
O Novo Testamento confirma que Israel não foi rejeitado de modo definitivo:
- Romanos 9–11: Paulo reconhece a incredulidade de parte de Israel, mas afirma que “os dons e o chamado de Deus são irrevogáveis” (Rm 11:29). Ele descreve Israel como a “oliveira natural”, da qual os gentios foram feitos participantes. A restauração futura de Israel é apresentada como esperança escatológica (Rm 11:25–26).
- Atos 1:6–7: os discípulos perguntam a Jesus se Ele restauraria o reino a Israel. Cristo não nega a restauração, apenas afirma que os tempos e épocas pertencem ao Pai.
- Apocalipse 7 e 21: Israel aparece no centro da visão escatológica, tanto nas doze tribos seladas quanto na Jerusalém celestial, onde os nomes das tribos estão gravados nas portas da cidade.
Assim, o Novo Testamento mantém a tensão entre a universalidade do evangelho e a particularidade da promessa a Israel.
5.3. A interpretação teológica ao longo da tradição
Na tradição teológica, especialmente reformada, há dois movimentos:
- A Teologia da Substituição (Supersessionismo):
Durante séculos, muitos intérpretes sustentaram que a Igreja substituiu Israel de forma definitiva. Essa visão foi dominante em Agostinho e na tradição medieval. - A redescoberta da fidelidade de Deus a Israel:
No entanto, teólogos como Karl Barth, G. K. Beale e Christopher Wright ressaltam que a fidelidade de Deus às promessas feitas aos patriarcas não pode ser anulada. A Igreja participa da bênção de Abraão (Gl 3:29), mas isso não implica o desaparecimento de Israel como povo eleito.
A tradição reformada, especialmente na leitura de Romanos 11, tende a afirmar que a “plenitude dos gentios” não exclui, mas prepara o cenário para a restauração futura de Israel.
5.4. A dimensão cristocêntrica da promessa
O centro da promessa é Cristo: Ele é o Israel verdadeiro (Is 49:3; Mt 2:15), em quem a vocação do povo é cumprida. Contudo, em Cristo não há anulação, mas consumação: os gentios são enxertados na aliança, enquanto Israel é preservado como povo histórico.
A fidelidade de Deus a Israel é, portanto, sinal da própria fidelidade de Deus ao evangelho. Se Deus tivesse rejeitado Israel definitivamente, sua aliança com a Igreja também seria frágil. Mas porque Deus é fiel às suas promessas a Israel, podemos confiar que Ele também é fiel às promessas em Cristo.
5.5. Síntese teológica
A perspectiva bíblica e teológica confirma o que a história, a arqueologia e a genética já demonstraram: Israel permanece como povo da aliança. Negar a identidade do Israel moderno é não apenas um erro histórico, mas uma heresia teológica, pois implica negar a fidelidade de Deus.
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- Beale, G. K. A New Testament Biblical Theology: The Unfolding of the Old Testament in the New. Baker Academic, 2011.
- Barth, Karl. Church Dogmatics II/2. T&T Clark, 1957.
- Goldsworthy, Graeme. According to Plan: The Unfolding Revelation of God in the Bible. IVP Academic, 2002.
- Wright, Christopher J. H. The Mission of God: Unlocking the Bible’s Grand Narrative. IVP Academic, 2006.
- Vos, Geerhardus. Biblical Theology: Old and New Testaments. Banner of Truth, 1975.
- Piper, John. The Justification of God: An Exegetical and Theological Study of Romans 9:1–23. Baker Academic, 1993.
- Schreiner, Thomas R. Romans. Baker Exegetical Commentary on the New Testament. Baker Academic, 1998.
Conclusão:
A análise integrada de história, arqueologia, documentos, genética e teologia bíblica demonstra que a afirmação de que “os judeus modernos em Israel não são descendentes legítimos de Abraão, Isaque e Jacó” é insustentável tecnicamente.
No plano histórico, vimos que desde o retorno do exílio babilônico até a Antiguidade Tardia, sempre houve presença judaica documentada na terra. No campo arqueológico, inscrições em hebraico, selos administrativos, ossuários, sinagogas, moedas das revoltas e manuscritos atestam de forma ininterrupta a continuidade do povo judeu. Do ponto de vista documental, fontes rabínicas, cristãs, greco-romanas e islâmicas confirmam a persistência da identidade judaica e seu vínculo com a Judeia/Palestina.
No âmbito das críticas modernas, teorias conspiratórias como o “mito khazar” perdem consistência diante da historiografia séria e, sobretudo, das evidências genéticas, que apontam para uma clara continuidade levantina dos judeus. Finalmente, a perspectiva bíblica e teológica reforça que Israel não foi rejeitado, mas permanece como povo da aliança, testemunho vivo da fidelidade de Deus às suas promessas.
Dessa forma, o povo judeu moderno em Israel não é uma construção artificial da história, mas a expressão contemporânea de uma identidade milenar, preservada em meio a dispersões, perseguições e retornos. Reconhecer isso é não apenas um ato de justiça histórica, mas também uma confissão de fé na veracidade das Escrituras, na fidelidade do Deus que guarda sua palavra e em documentos históricos que se colocados em descrédito acabará com a história humana e não apenas com a história do povo de Israel.
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